
CRÍTICA O LAGOSTA
O Lagosta e a Fábula dos Animais
Ficha Técnica:
Ano: 2015 Duração: 1h58 Gênero: Ficção, Drama, Filmes Aclamados pela crítica
Diretor: Yorgos Lanthimos Elenco: Colin Farrell, Jessica Barden, Rachel Weisz
Sinopse: (Não recomendado para menores de 16 anos)
Num futuro fictício não tão distante, uma lei proíbe que as pessoas fiquem solteiras. Qualquer homem ou mulher que não estiver em um relacionamento é imediatamente preso e enviado ao Hotel, um lugar onde terá dias/semanas para encontrar um parceiro, já os solteiros que se recusam a ir aos hotéis, são caçados. Caso não encontrem ninguém, essas pessoas são transformadas no animal de sua preferência e soltas no meio da floresta.
ESSE FILME PODE SER ASSISTIDO NA NETLIX:
(ESTA CRÍTICA PODE CONTER SPOILERS)
O Lagosta é um dos filmes mais estranho que já vi. Sim, fica fazendo dupla com "Swiss Army Man". Não consigo mostrar minha reação, mas estou rindo de nervoso com a tamanha loucura desse filme, como ele tem muita lógica e não está nada longe da realidade. O filme poderia facilmente ser um conto animalesco do nosso mundo ao invés de uma ficção e talvez, ele seja uma fábula sobre o ausência da emoção.
Em O Lagosta, nosso famoso Colin Farrell, (Miami Vice, Presságios de um crime) muito bem caracterizado de forma que difere de seus outros filmes, é David, um homem que vive nesse mundo fictício (ou não tanto assim) onde nenhuma pessoa pode ficar sozinha e essas são enviadas para Hotéis onde ficam esperando para encontrar a pessoa certa. Lá, eles são separados dos casais, caçam pessoas para serem pares e já com pares, passam por "provações". As pessoas que fogem, vivem uma floresta isolada, sendo caçadas todos os dias. As pessoas que ficam no Hotel e não conseguem ninguém, são transformadas em um animal de sua preferência.
David diz que quer ser uma lagosta, porque elas nadam bem, vivem 100 anos e sempre são férteis. John diz que ele foi burro porque logo morreria e iria para uma panela. Bom, mesmo sendo uma escolha ruim, é o que dá nome ao filme.
John, o amigo manco do hotel, também é uma figura interessante. Ele manca porque seus pais se separaram quando ele era jovem e sua mãe se tornou um lobo. Ao tentar visitá-la no Zoológico, ele é mordido por todos os lobos, menos dois. Um deles era sua mãe. Pouco tempo depois, ele se casa e incrivelmente, ela também era manca. Bonitinho, né? Sua esposa morre e ele volta ao Hotel porque não quer se tornar animal, contando a história para todos com o desejo de haver alguém que se interesse por ele.
Um fato que achei interessante no filme e vamos acompanhando ao decorrer do longa, as pessoas não se aproximam facilmente uma das outras e se agarram a qualquer resquício de segurança e companheirismo. E com companheirismo quero dizer não no sentido afetuoso da palavra, mas no sentido numérico - e seguro - de fazer um par. Os personagens se agarram a essa segurança fazendo uma ponte entre eles e o possível par, usando um artifício que nós usamos: Características em comum.
Quem nunca adorou quando o a pessoa que você gostava tinha algo em comum ou parecido com você? E o lado sonhador dizendo que era destino? Em O Lagosta, isso é posto como em termos animais. Qualquer semelhança é um sinal de que um casal pode dar certo, desde as menores semelhanças, como ser míope ou ter sangramentos no nariz recorrentes. E isso se concretiza na fala da gerente do Hotel;
"Precisa escolher uma companhia parecida com seu tipo de animal. Um lobo e um pinguim jamais viveriam juntos, nem um camelo e um hipopótamo, seria absurdo. Pense a respeito."
O grande trunfo de O Lagosta está em sua ideia, já que apesar de ter Colin e Rachel Weisz em seu elenco, todas as atuações são medianas e só convencem o telespectador de seu mundo fictício quando há algo pra falar. Longe daquele ambiente, com um filme mais aberto, provavelmente a ideia iria por água abaixo. A trilha sonora parece diferir em alguns momentos, mas consegue transportar a gente para a angústia da realidade onde ficar sozinho é decretar pena de morte humana e a transformação ao mundo animal. A animalização nesse caso, é uma tentativa de dar chance a quem não conseguiu um par como humano, além de procriação. Mas pode ser vista também como exclusão.
Nesse mundo, a tentativa de pares apenas por características iguais é cotidiano, assim como o término de relacionamentos quando na relação já não existe mais a cumplicidade, amor ou o que quer que as pessoas procure em outro alguém. Coisa muito comum hoje em dia, onde trocar é mais fácil do que resolver. É nesse momento que é necessário, quase que literalmente, lutar por sua vida, se abster de sexo (de modo bem estranho) e não sofrer pela perda de seu par, porque logo, você pode achar outro:
"Ele não chorou e não achava que a primeira coisa que a maioria das pessoas faz quando percebe que alguém não as ama mais é chorar."
Uma das coisas mais interessantes do filme, é como as pessoas aceitam qualquer coisa que lhes é oferecida simplesmente pelo medo. Medo de ficar sozinho, de morrer, de não ser aceito. Medo de não achar alguém ideal. Além de aceitarem qualquer coisa, elas caçam pessoas que não querem ser caçadas para se tornarem pares como se esses fossem animais, como a nossa procura por pares em Sites ou Aplicativos de relacionamento. Também se moldam em mentiras para se adaptar ao estilo de vida do outro, como adquirir uma personalidade excêntrica ou até mesmo em pequenas coisas, voltando a ideia de usar características em comum.
Querendo ou não, nossas pequenas e peculiares características são o que nos diferem dos outros. Esse "algo especial" é o que pode nos fazer achar alguém que não só goste disso, mas que entenda e seja assim também. Mas quando a pessoa não é como você, o relacionamento ainda é forte da mesma maneira ou ele se sustenta pelas trilhões de coisas em comum dos dois? Fica o questionamento.
Relacionamentos podem ser baseados em mentiras? O filme mostra que esses não duram, mas na vida real, quantas pessoas estão em teias de mentiras para não se tornarem "lagostas"?
O amor, no filme, não é o encontro de Alma Gêmeas ou Match Perfeito e sim quase que um laço contra a morte/animalização, um ato de desespero em conjunto para negar a solidão, uma troca de favores e prazeres pequenos; sexo, pequenas coisas em comum, passar pomada onde dói (intimidades), coelhos, etc. A masturbação é representada como um erro; a fuga do "amor" e da dependência de um outro ser.
David entende isso, David sente isso. Um homem que se sente deslocado e incomum num meio desesperado para conseguir alguém. Ele não quer um relacionamento baseado em mentiras, não quer se moldar por alguém ou aceitar qualquer coisa:
"É mais difícil fingir que tem sentimentos quando não tem do que fingir que não tem, quando os tem."
E então nos é oferecido o grande plot do filme. Num mundo onde estar com alguém é uma obrigação, os solteiros seriam rebeldes? Num mundo onde existem regras, data limite e atividades, o amor não pode ser encontrado porque todos ali são solitários procurando por amor. Mas e num local onde a solidão é a regra principal? Poderiam surgir amantes proibidos justo de onde o amor não deveria vir? Talvez.
Num local onde relações não são permitidas, ocorre então outra animalização, onde a regra principal é caçar e sobreviver mais um dia, sem espaço para o "verdadeiro amor" que a sociedade também não permite do lado de lá, no Hotel.
A fábula se cria quando, num impasse, nosso lagosta se pergunta: O que é pior, ficar sozinho para sempre e não poder ver mais nada ou ficar com alguém sem sentir nada?
Talvez o amor nos cegue, num mundo onde ninguém sente nada, a fábula se torna um conto de amor onde se moldar para alguém é uma prova de sua afeição. Onde ser igual é tornar o mundo dos dois mais fácil.
Ou talvez, nem seja amor proibido e sim a solidão. Ser pego sozinho ou não ter alguém assusta. E num mundo sem emoções reais, a fábula se concretiza, onde cego pelo sentimento de necessidade de ter alguém, se aceitam todas as situações. Mais que uma comédia dramática ou uma ficção, O Lagosta é uma fábula de uma sociedade que cada dia mais, por medo de ser engolida pela solidão, aceita qualquer coisa que lhe é ofertado, mesmo que isso te transforme, te cegue, te faça infeliz e tire toda emoção.
E o final, não importa de que ângulo ou cenário você veja, o cego está sozinho e aquele que vê também. Afinal, qualquer coisa é melhor do que nada?
NOTA: 7,7/10
ABAIXO SPOILER/TEORIA SOBRE O FINAL:
Existem duas teorias sobre o final de O Lagosta.
Na primeira, David deixa sua "amada" e vai embora, sem rumo ou morre tentando enfiar a faca. Na segunda, enfia a faca no próprio olho aceitando ficar cego como ela, já que assim, teriam características iguais e seriam um "par da mesma espécie". Para mim, existe uma outra vertente da história.
Numa sociedade sem emoção, onde tudo é reprimido ou pela casualidade de formar um par, ou pela opressão rebelde de não ter par nenhum, o amor de David poderia não ser amor, mas sim a conformidade de ter alguém que era parecido com ele. E quando ela fica cega, apesar de tentar contornar a situação, os dois já não são da mesma espécie. Existem aí duas saídas possíveis, as teorias mencionadas e mais uma: David vai ao banheiro e pega a faca, mas e se dentro da sua mente, a insegurança de ferir o próprio corpo e a dúvida de até onde podemos ir pelo amor, David pensa, como dissemos anteriormente na crítica:
Relacionamentos podem ser baseados em mentiras? Quantas pessoas estão em teias de mentiras para não se tornarem "lagostas"?
Então ele volta e diz pra ela que está cego. Ele não está, não enfiou a faca nos olhos. Os dois vivem como cegos, ela, sem nunca saber da mentira. Ele, aceitando a posição em que se colocou para sobreviver.
Tem alguma teoria? Conta pra gente!



