CRÍTICA UM CADÁVER PARA SOBREVIVER

14/01/2019

Um cadáver Para Sobreviver e a Morte aprendendo sobre a vida humana 

Ficha Técnica:

Ano: 2016       Duração: 1h37          

Gênero: Independente, Fantasia, Indie, Comédia Dramática e Humor Negro

Diretor: Daniel Kwan, Daniel Scheinert      

Elenco: Paul Dano, Daniel Radcliffe, Mary Elizabeth Winstead

Sinopse: (Não recomendado para menores de 14 anos)

Hank (Paul Dano) é um homem perdido numa ilha, sem esperanças de salvação que, prestes a se matar, acaba tendo uma surpresa vinda do mar. Na areia, encontra um homem morto e seu cadáver é misterioso e apresenta peculiaridades. Juntos, Hank e Manny (Daniel Radcliffe)  partem numa jornada de autodescoberta e a descoberta das relações humanas, da vida e dos próprios corpos, enquanto tentam voltar pra casa.

ESSE FILME SE ENCONTRA DISPONÍVEL NA NETFLIX:

(ESTA CRÍTICA PODE CONTER SPOILERS )

Quando a morte se materializa, num corpo poderoso, porém cheio de perguntas como uma criança curiosa, devemos sanar a essas dúvidas ou temer que a morte saiba as respostas? 

É difícil decidir o que falar sobre algo que você assistiu quando você demora um tempo pra entender o que de fato você viu.  Já faz quase duas semanas que assisti Um Cadáver Para Sobreviver (em inglês: Swiss Army Man) e ainda não consegui digerir o que assisti e formar uma ideia concreta dessa ideia maluca dos diretores Daniels, mas tenho o meu palpite.

Um Cadáver Para Sobreviver conta a história de Hank, um homem que perdido numa ilha sem esperanças de salvação decide se matar (não, não é spoiler), mas acaba recebendo um presente do mar; um corpo. Esse cadáver que aparenta ser um homem comum que morreu sozinho, se mostra aparentemente misterioso e peculiar, oferecendo uma escapatória daquela ilha, indo para uma floresta. Lá, Hank e Manny (o morto) decidem voltar pra casa, esperançosos de que podem fazer as coisas diferentes para os dois dessa vez. Nessa jornada, além de uma grandiosa amizade e aprendizados compartilhados, criam-se monólogos de autodescoberta.

Devo dizer que sou fã de Paul Dano. O cara é um ator incrível que sempre brilha no que faz, como em Pequena Miss Sunshine, Sangue Negro e Okja da Netflix. Nesse filme não é diferente. Paul mostra um Hank perdido em seus próprios devaneios e loucuras, cheio de defeitos e prestes a ter um colapso. É um homem literalmente perdido, não só a deriva no mar numa ilha como mostra, mas a deriva de quem ele mesmo é e o que quer (o final do filme meio que concretiza isso). Então surge em sua vida alguém que pode ser um escape, uma solução, mas esse é um cadáver. Manny, como se chama Daniel Radcliffe, nosso antigo bruxinho preferido, faz um papel extraordinário como morto, com suas falas travadas e características, um olho mais fechado que outro, as expressões que tentam sinceramente, mas são assustadoras, o seu corpo torto e claro, suas peculiaridades.

Manny é de fato, um defunto cheio de personalidade. Ele demonstra ser alguém com muitas funções, daí o nome do filme; "Swiss Army Man" um canivete suíço com muitas funcionalidades, como ele. Acontece que o meio que os Diretores Daniels acharam para contar a aventura de descobertas através das muitas funcionalidades de Manny não foram nada convencionais e isso assusta (e incomoda).

Quando passado num festival, as pessoas saíram horrorizadas antes de trinta minutos de filme, sem querer saber o que mais acontecia. Bom, é justo deixar de ver um filme e criar uma opinião sobre ele, seja negativa ou positiva, antes que ele tenha terminado? A resposta é não. Nos primeiros trinta minutos de Um Cadáver para sobreviver, minha expressão no rosto foi de estranhamento, mas eu sempre tinha uma risada na boca e meu olhar estava preso na tela. O filme ganha sua atenção e dos mais excêntricos para humor, o riso. Isso era um dos objetivos dos Daniels e se tornou um fato, não tem como não rir (mesmo de nervoso, ou por ser estranho) de Hank subindo em cima de Manny enquanto ele tem grandes e poderosas flatulências. Sim, o morto peida. Aliás, esse é um dos grandes trunfos do filme, que para alguns representa a autoaceitação. E mesmo me causando total desconforto, quis saber onde a jornada desses dois improváveis amigos ia me levar.

Uma das coisas mais bonitas e tocantes desse filme, aliás, é sua linda fotografia na floresta, que apesar de parecer gigante e solitária, ganha uma beleza e vida incomensurável. Além de estar acompanhada de uma linda trilha sonora, coisa da qual mais gostei do filme. As músicas; Cotton Eye Joe, Underwater, A Better Way e a clássica e muito bem colocada no filme, música tema de Jurassic Park, que me tirou um riso surpreso.

Outro ponto interessante do filme, que os mais observadores podem pegar, é que nem tudo que Manny e Hank conversam parece de fato, literal. Os dois aprendem muito um com o outro; Hank aprende a lidar com outra presença na sua vida solitária, a tentar algo e Manny aprende sobre o mundo, sobre a vida e sobre soltar pum. E graças ao filme, a pequena "ilha de criança" onde os dois estão perdidos e o filme praticamente inteiro se restringindo a presença dos dois, temos a impressão de tudo não passar de um devaneio da cabeça de Hank, um colapso, de um surto onde nada é real. Seria mesmo?

Na presença de Manny, Hank se torna uma pessoa com medos e com algo a perder, é por isso que se pode tirar mais do filme do que seus diálogos engraçados, cheios de conotação sexual, literais e surpreendentemente (apesar da realidade do filme) lógicos. Se pode tirar uma conversa sobre a Morte. Quando a morte se materializa, num corpo poderoso, porém cheio de perguntas como uma criança curiosa, devemos sanar a essas dúvidas ou temer que a morte saiba as respostas?

Se Manny é uma representação maior da Morte, então sua amizade com Hank se dá ao indício suicida que Manny tem e suas dúvidas sobre a vida são as dúvidas de quem não sabe se fica ou se vai, se vive ou se morre, porque nunca tem coragem o suficiente pra nenhum dos dois. O grande trunfo são que as questões de Manny nem sempre são o que realmente está sendo perguntado e muitas vezes, podem ser lidas/vistas como dúvidas do Hank. Em determinado momento do filme, Manny pergunta:

''Afinal, se uma coisa me dá prazer, por que devo escondê-la do mundo?" Olhando a questão fora de contexto, conseguimos ver algo incrivelmente poético, afinal, se algo me faz bem, por que devo esconder? Mas no filme, a mesma é colocada num diálogo sobre masturbação. Se pensarmos bem, Manny ainda está certo.

Talvez nem todas as questões da morte possam ser respondidas, talvez nem mesmo a gente tenha a resposta para algumas perguntas. É o que torna o filme inteiro e principalmente seu final, com um plot merecido, porém inacreditável aos olhos dos outros (literalmente), um filme incômodo e considerado por alguns, estranho. Porque ele não é convencional, seguindo uma receita pré-pronta dos filmes de Hollywood. Ele segue seu próprio caminho e parece ir se contornando, acima da ilha, dos personagens, dos medos de voltar pra casa e ganha vida própria. 

Foi uma das coisas mais estranhas que assisti, falo isso com certeza e é isso que me faz ter uma dificuldade imensa para dar a nota. Como dizer se gostei ou não do filme se ele não me trás nenhuma dessas sensações? 

Com defeitos, o final, que poderia ter acabado na cena extremamente tocante de Hank se esgueirando por trás carro e a notícia da televisão, mas acaba tendo continuidade, também boa, mas quase derrapante o suficiente para destruir nossas teorias sobre o filme. Fica a dúvida; seria a Morte algo da cabeça de um ou visível para todos? A Morte feia, torta, incômoda e defeituosa pode ser vista até por aqueles que vivem sem pensar nela?

Consideramos a Morte um grande mistério peculiar, mas Manny consegue colocar uma sementinha em nossa cabeça; e se peculiar mesmo, é o modo como vivemos?

NOTA: 7,8/10

E você, o que achou de Um Cadáver Pra Sobreviver? Conta aí!

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