CRÍTICA Anomalisa

13/01/2019

Anomalisa: Uma animação adulta sobre a perda e aceitação da individualidade

Ficha Técnica:

Ano: 2015        Duração: 1h31          Gênero: Animação Adulta, Drama

Diretor: Charlie Kaufman      Prêmios: Concorrente na Categoria "Melhor Animação" no Oscar

Elenco: David Thewlis, Tom Noonan, Jennifer Jason Leigh

Sinopse: (Não recomendado para menores de 14 anos) 

Michael Stone (David Thewis) é um palestrante motivacional que acaba de chegar à cidade de Connecticut. Lá, ele conhece uma mulher que pode transformar a sua vida.

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(ESTA CRÍTICA PODE CONTER SPOILERS)

Num determinado momento, Michael escuta uma voz diferente da de todos no corredor e diz; "É outra pessoa!" Ele quer conhecê-la. Ele quer ouvi-la. E isso surpreende Lisa. Quantas vezes conversamos com alguém e não somos verdadeiramente ouvidos?

Em um mundo lotado de animações (sempre direcionadas ao público infantil) casualmente saem animações feitas em stop-motion e menos ainda direcionadas para adultos. Isso acontece porque o público adulto procura outra coisa, além de ser uma produção relativamente trabalhosa, existem uma série de cuidados a serem tomados quanto a; detalhes, movimentos e até mesmo feições que podem prejudicar a mensagem do filme, com um resultado muitas vezes menor do que o esperado. Bem, não é o caso de Anomalisa.

Dirigido por Charlie Kaufman (através de uma vaquinha) conhecido pelo filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, o longa em stop-motion tem como diretor alguém que já se destacava com histórias sempre tendo premissas diferentes e que fugiam do clichê. Nesse filme, Kaufman decide mandar uma mensagem sobre a realidade, para todos os lados. A pergunta da vez é; em que momento paramos de ver um ser como um ser individual e o vemos como um todo? Em que momento nós perdemos o controle sobre quem o outro é?

Em Anomalisa, temos a história de Michael, um autor de um famoso best-seller intitulado de "Como posso ajudar a ajudá-los?" direcionado para atendentes do SAC. Diferente, não? É apenas Kaufman. Nota: ele é realmente uma "estrela" nesse mundo do atendimento ao cliente. Michael é casado e tem um filho.  Seu casamento está pra baixo e seu filho não é muito próximo. Ele está desanimado e tudo na vida parece mais do mesmo, todos parecem iguais e sem sair do lugar. E não há qualquer sinal de escapatória dessa realidade.Ele viaja pra um hotel em Connecticut, onde vai fazer uma palestra sobre seu livro. Lá, ele encontra a mulher que pode mudar sua vida.

Nos primeiros minutos do filme - leia momentos - conseguimos captar o desconforto de Michael com pequenos detalhes ou situações rotineiras que até mesmo nós nos encontramos na vida e podemos acabar tendo a mesma reação que ele, ainda mais se estamos num momento ruim da nossa vida. Essas situações aproximam ainda mais da sensação da perda e afastam Michael da realidade. ( A cena do rosto se descolando deixa essa perda física) Permita-me dizer, algo cada vez mais frequente na nossa sociedade pós-moderna. 

É uma jogada de mestre como Kaufman consegue no primeiro ato do filme, jogar a realidade pra cima do personagem e ver sua negação e no ato final ver o questionamento do próprio personagem ("Quem é você?") e a negação de quem assiste. Sim, a gente se nega. Isso mesmo, foi feito para incomodar.

O filme, que para alguns pode parecer demorar pra mostrar ao que veio, pra outros pode ser um prato cheio de detalhes e sutilezas (aliás um dos assuntos abordados no filme, a sutileza da individualidade). A riqueza da animação, do quarto do hotel, o vapor no espelho e até mesmo a movimentação do rosto na expressão desmotivada de Michael pulam aos nossos olhos quase como uma realidade. A nossa dura e chata realidade?

Além do detalhe, outro grande artifício da animação e tecnicamente seu ponto de partida e virada, é a voz. Kaufman consegue passar, acima de tudo que já foi mencionado, a dureza brusca da mediocridade humana na voz. Michael é dublado por David Thewlis, o famoso Lupin da saga Harry Potter e põe, sem dúvida, insatisfação no tom do personagem. O outro dublador, Tom Noonan, com uma voz especificamente grossa e várias vezes irritadiça, faz um brilhante trabalho dublando todos os outros com exceção da que faz jus ao título. Isso mesmo, todos os outros. Catalogado como; "voz de outro qualquer", Noonan tem o importante papel de não nos fazer discernir nenhum indivíduo de outro, apesar de suas claras diferentes características, tornando todos apenas mais um. Homens velhos, atendentes, crianças e sim, até mulheres (o que causa choque no primeiro momento do filme). E temos então, nossa grande e doce surpresa, Jennifer Jason Leigh, dublando a desajeitada Lisa, com sua voz que em nosso mundo seria apenas mais uma, mas na realidade de Michael é uma luz no fim do túnel. A voz, nesse filme é extremamente importante por contar uma história sublinhada dentro do filme que estamos vendo, com o papel de materializar a proposta do filme.

Porque todos são iguais? Porque todos não me entendem? Estou sozinho no mundo? São questões colocadas subjetivamente pelo protagonista. Num determinado momento, Michael escuta uma voz diferente da de todos (da de Tom) no corredor e diz; "É outra pessoa!" saindo de encontro com a voz. Michael está sozinho no mundo e então uma voz surge, diferente de todos os outros. Lisa se mostra aparentemente comum e vemos nela uma série de características interessantes (com quais podemos nos identificar); ela é tímida, desajeitada, comum (quem nunca se sentiu assim?), tem baixa autoestima e teve poucos relacionamentos. Além disso, ela tem uma cicatriz em seu rosto, a qual considera uma anomalia. Ela se envergonha de algo que é seu diferencial e o esconde, como muitas vezes fazemos pelo medo do julgamento. E então, surge na vida dela seu autor favorito e mais surpreendentemente, ele não se importa com a cicatriz ou com ela ser "gorda". Ele quer conhecê-la. Ele quer ouvi-la. E isso surpreende Lisa. Quantas vezes conversamos com alguém e não somos verdadeiramente ouvidos? Se parar pra pensar, muitas vezes. Michael quer ouvir a voz, a única voz no mundo, para sempre. É como se ele se sentisse vivo e quisesse que Lisa falasse pela eternidade com ele. Em determinado momento do filme, num sonho, ele diz; "só existe nós dois" é como se no mundo, tudo que ele precisasse era ele e ela que estava tudo bem. Um claro sintoma que temos quando estamos apaixonados.

Um grande momento do filme é Lisa cantando "Girls Just Wanna Have Fun" dizendo que quer ser a garota da música. Muitas meninas e mulheres se sentem como ela e apesar da modéstia dela comparada a outras pessoas, Michael se emociona. Porque é Lisa. Não tem como não ficar tocado ou não se identificar com um dos dois. 

Para nossa surpresa, o sentimento deles é levado bem a sério no filme, sem dramas adolescentes ou obstáculos. São dois adultos que claramente sentem algo um pelo outro e deixam isso claro quando transformam em físico; sexo. O nu frontal do filme aliás, é de grande surpresa pro público, porque além de ser muito bem feito, trás humanização dos personagens e os transforma em pessoas com desejos carnais. A cena de sexo também é bem humana, com "jeito que eu gosto/prefiro", "desculpes" a todo momento e caracteriza como Michael estava esperando por alguém no mundo "nada individual". Ele não precisa esperar, porque finalmente achou alguém diferente que é único. 

E então, na manhã seguinte, temos de novo o choque duro da realidade humana, até que ponto podemos suportar a individualidade de alguém? As pessoas, todas, tem defeitos. Ninguém é perfeito e a noite nos transforma. De dia, Michael percebe como os pequenos detalhes são incômodos e como ele não poderia lidar com isso, o que consequentemente transforma e muda tudo. 

Nesse momento, Michael se pergunta, num dos monólogos sobre o filme (muito bem situado em sua palestra) onde confunde seu discurso sobre Atendimento ao Cliente com o discurso de quem ele tenta ser individualmente; "Estou perdido, sozinho" 

Seriam todos iguais e eu o diferente? Ou são todos diferentes e eu quem não enxergo? O que se isola, se difere dos outros, o que julga e não aceita dissemelhanças. Seria eu o perdedor da minha própria vida, do eu? Seria eu uma pessoa que não enxerga, ou melhor, ouve os outros como um ser particular? É uma pergunta que apenas o final do filme pode, ou não, nos responder. Cabe ao telespectador decidir se ele é bom ou ruim. 

Muito além de um drama, um romance ou um filme pra adultos, Anomalisa tem traços de pós-modernismo, usa como imagens ideias da psicologia e ainda oferece muitas ideias sobre o final. É agridoce e ambíguo, mas na nossa sociedade onde cada defeito aparente é sinal de problema sem solução e exclusão, o grande medíocre é o insatisfeito com possíveis defeitos ou o defeituoso? Cabe você decidir se vai ser o perdedor da sua vida, ou se vai levá-la como se cada um fosse um ser particular e único.

NOTA: 8,9/10

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